sexta-feira, 5 de setembro de 2014

História da Igreja Matriz de S. Tiago de Cernadelo e Da Terra

A igreja de São Tiago de Cernadelo

NOTA GEOGRÁFICA
E HISTÓRICA
Servindo de leito ao Rio Sousa, Cernadelo é uma freguesia eminentemente rural, protegida, quase escondida, apesar de ser atravessada por vias importantíssimas desde, pelo menos, a Idade Média. Do Alto dos Três Caminhos, na partilha com a vizinha freguesia de São Miguel, seguia uma estrada que percorria o lado nascente de Cernadelo, fazendo a transposição do Rio Sousa na tardo-medieval ponte da Veiga. Seguindo pelas veigas e encostas da freguesia do Torno, com passagem pelas imediações da Torre de Vilar, esta via fazia a ligação com a estrada que do Porto seguia para Amarante. Ainda há poucos anos era possível observar vários trechos de calçada ao longo do percurso desta antiga via, entretanto “apagados” pelo “progresso”. A freguesia é delimitada a norte pelo monte de Santo Eusébio, hagiotopónimo praticamente esquecido – embora nos meados do século XVIII ainda estivesse bem presente na memória da população –, que nos remete para a lembrança de aí ter existido uma capela dedicada ao referido santo. O pároco de Cernadelo, no ano de 1758, relatava que está esta “freiguezia em hu valle de hum monte chamado monte de Santo Zebres, corrupto vocabulo, por antiguamente dizerem estivera hua cappella de Santo Euzebio no alto do ditto monte “(Capela, Borralheiro e Matos, 2009:304) A sul, o Rio Sousa, que lhe esboça a orla, definindo-lhe o território. Em trabalho anterior (cf. Cardoso e Silva, 2009) já desenvolvemos o possível algumas questões relacionadas com a história mais antiga desta freguesia. Falamos designadamente das referências ao mosteiro de Cernadelo e à igreja de
São Pedro. Ambos os templos são mencionados num documento datado do ano de 1059, que consistia num inventário de bens que o mosteiro de Guimarães possuía no Entre Douro e Minho. Pela mesma época já se referia a existência da igreja de São Tiago, actual matriz. Do mosteiro não se preservou qualquer vestígio à excepção da referência documental, não sendo sequer possível apontar a localização do seu assento. Já relativamente à igreja de São Pedro, apesar de fisicamente desaparecida, a sua memória ficou fixada no topónimo São Pedro, pequeno lugar desta freguesia. Nas Inquirições de 1258, na colação da freguesia de Sancti Jacobi de Cernadela, era referida a existência de uma igreja num reguengo do rei, tudo indicando tratar-se da mesma de São Pedro. Vejamos como o padre Francisco Peixoto interpretou a informação presente na inquirição: Havia porem na freguesia uma outra igreja, situada num Reguengo, a qual era do rei, e dava á outra [à de São Tiago] a décima parte
do rendimento do referido reguengo (Peixoto, 1914:2). Não era invulgar, no distrito da mesma freguesia, a existência de dois templos. Na perspectiva de Domingos Moreira, poderemos estar perante a subsistência de duas igrejas, depois unidas em uma só freguesia, persistindo, por algum tempo, uma como principal e outra como filial (capela curato) até à extinção da menos importante (Moreira, 1971:123 e 124). As Inquirições parecem evidenciar essa mesma evolução relativamente ao mencionado no documento de 1059: em 1220 a freguesia já era denominada São Tiago de Cernadelo, demonstrando a subordinação da igreja de São Pedro à paroquial de São Tiago; em 1258 atesta-se essa mesma dependência, que acabaria por resultar na sua extinção e sua conversão em simples capela e/ou no seu inevitável desaparecimento. A persistência de hagiotopónimos na freguesia é interessante. Para além dos casos já mencionados de Santo Eusébio e de São Pedro, existe ainda o lugar de São Sebastião, onde outrora esteve a capela da invocação do mesmo santo e que o padre memorialista Crispim Álvares da Silva afiança que dizem pertençe ornalla à camera deste concelho [de Lousada], do que necessita muito, por dizerem a mandara fazer El Rey Dom Sebastião (Capela, Borralheiro e Matos, 2009:305) Em 1842 ainda se procedeu a um restauro desta capela, por iniciativa do capitão Manuel José Teixeira Rebelo, da Casa de Soutelo e das Pereiras, juiz ordinário do concelho de Unhão. Hoje subsiste apenas o lugar e a memória. Em 1220, em resposta às Inquirições de D. Afonso II, o pároco de São Tiago de Cernadelo afirma que havia aí reguengos e cinco casais propriedade da própria igreja. Mais tarde, nas Inquirições de 1258, os jurados atribuem a posse da igreja a herdadores, sendo a apresentação do pároco confirmada pelo arcebispo de Braga, informação que demonstra a fundação particular desta igreja (herdadores = herdeiros dos funmelhante, em Lousada, ocorria com a igreja de São Pedro de Caíde que tinha como anexa a de São Tiago de Figueiró (Paços de Ferreira). Os bens da igreja de Alvarenga (nos quais se incluía os rendimentos e bens de raiz da de Cernadelo) constituíram a base patrimonial duma comenda nova da Ordem de Cristo. Inserem-se neste contexto os marcos de delimitação ornamentados com a cruz de Cristo que ainda hoje existem em ambas as freguesias. Com o Liberalismo o Estado apossou- se de todos os direitos de padroado, pondo fim à existência de freguesias anexas. O Padre Carvalho confirma tratar-se de igreja anexa à de Santa Maria de Alvarenga, rendendo ambas 240 mil reis e avançando a existência de 32 fogos, cerca de 160 habitantes (Costa, 1706:400).
Poucos anos depois, nas Memórias Paroquiais de 1758, o vigário Crispim Alvarez da Silva contabiliza 237 habitantes e refere que o pároco da freguesia é aprezentação do reitor de Santa Maria de Alvarenga e, procurando alertar para as dificuldades económicas com que vivia, faz um breve balanço das receitas: tem de renda que paga o rendeiro ao vigário des mil reis tres
libras de cera, dous alqueires de trigo, e setecentos e sincoenta. E trinta alqueires de pão meado, e vinte e dous almudes de vinho. As obradas que pagão os freguezes fazem sincoenta medidas, e hu campinho que hé da rezidencia colheu o São Miguel passado quinze alqueires de pão, e de vinho quinze almudes, o qual pão todo vendido a preço de doze vinteis faz a soma de vinte e coatro mil reis, ajuntando o dinheiro que paga o rendeiro cera, e trigo a todo são quarenta mil reis ao certo, os incertos são muito lemitados porque a freguezia hé pequena, e muita pobre- za, e finalmente della não pode viver
hu parocho conforme pede a sua decencia (Capela, Borralheiro e Matos, 2009:304). Em 1882, na sequência da reestruturação das circunscrições eclesiásticas, e numa tentativa de as fazer corresponder à divisão administrativa civil (distritos), a paróquia de Cernadelo transitou da diocese de Braga para a diocese do Porto.

ANÁLISE ARQUITECTÓNICA
E ARTÍSTICA
A Igreja Matriz de Cernadelo (fig. 2) será uma construção ainda do século XV, aproveitando elementos de uma igreja anterior, seguramente medieval (muito provavelmente na minha opinião (João Sousa) a nossa igreja terá sido aproveitada do Mosteiro De Cernadelo). É um edifício humilde, muito pequeno, mas equilibrado, constituindo-se como arquétipo de um românico muito tardio e resistente, rural e isolado. O portal Sul, embora de menor dimensão, respeita o mesmo estilo. Junto deste, uma tampa sepulcral inserida na reconstrução Quatrocentista do edifício. Planimetricamente a igreja de Cernadelo é composta por nave única, transepto e capela-mor rectangular, mais baixa do que a nave. Formalmente o alçado principal, é composto por portal de arco de volta perfeita, de aduelas largas e esquinas chanfradas. No seguimento do portal abre-se um pequeno vão de iluminação, rasgado posteriormente, como é mencionado na memória descritivada intervenção realizada em 1978. O remate é feito por empena triangular, onde se denota claramente o aumento em altura, que a igreja sofreu na década de 70, do século XX. A sobrepujar a empena, ao centro, temos uma cruz latina em granito e lateralmente, em cada uma das extremidades, dois pináculos de forma piramidal, também em granito. No alçado lateral direito (fig. 3) salienta-se o vão correspondente ao portal lateral, que segue os parâmetros formais do portal principal, isto é, composta por arco de volta perfeita, constituído também por aduelas largas e esquinas chanfradas. Ainda neste alçado, encastrada, vemos uma pedra, ornamentada por uma cruz “tosca” envolta por dois círculos, este que é o Símbolo da Freguesia e que não se pode perder, pois até nas pedras de fronteira com as outras freguesias esta cruz esta presente é símbolo muito comum, presente nas tampas da escultura funerária da época medieval. Muitos arqueólogos que já investigaram a nossa magnifica igreja dizem que esta laje estaria disposta no exterior da igreja, servindo de tampa a uma sepultura escavada no saibro do adro, prática corrente do enterramento da época medieval e bastante presente nas igrejas e mosteiros do território do Entre-Douro-e-Minho, mas não aquela pedra é o Símbolo da Freguesia. No alçado lateral esquerdo, não temos «qualquer vão de entrada ou iluminação. Ainda no espaço da nave, a rematar a empena é introduzida como remate central, também uma cruz latina em granito. O volume correspondente ao espaço da capela-mor (fig. 4), também de forma rectangular, de menores dimensões e mais baixo que a nave, exteriormente, revela algumas alterações resultantes das intervenções de 1978 e anteriores. A parede fundeira terá tido um vão de iluminação posteriormente fechado. Igualmente neste espaço, conseguimos perceber claramente o aumento em altura. Volumetricamente, a igreja de São Tiago de Cernadelo é composto por mais dois volumes (transepto), dispostos lateralmente e que foram construídos na campanha de obras de 1978, já mencionadas, pois a igreja tornara-se pequena para o número de paroquianos da freguesia. Num dos volumes está inserido o espaço da sacristia. Desta campanha destacam-se as seguintes alterações: demolição da sacristia velha (lado sul); criação de dois volumes que formam o transepto (o do lado norte incorpora a sacristia nova); inclusão de dois arcos ligeiramente abatidos no encontro das paredes dos novos volumes com a capela-mor; o altar-mor colocado num patamar dois degraus acima do transepto e três acima da nave. (fig. 5) Cerca de um ano antes, conforme
é descrito na Memória Descritiva do projecto de 1978, já se havia procedido à remoção do reboco exterior das paredes, à colocação da cinta de betão, ao lançamento da placa de cobertura, à execução das escadas do coro e à abertura da janela da fachada (AEP, Memória descritiva...). A torre sineira deste templo paroquial encontra-se localizada na zona posterior e ausente da arquitectura que corresponde ao espaço da igreja. Formalmente apresenta-se como uma obra do século XVII / XVIII e encontramos semelhanças estilísticas entre esta e a igreja, através da utilização de remates que ornamentam esta torre, ou seja, pináculos em forma piramidal. O interior também mudou muito desde o século XVIII. Por essa altura o vigário fazia menção a três altares, o mor hé de S. Thiago os dous de bayxo são hu de Nossa Senhora, e outro do menino Deos, não tem naves, nem Irmandades; hé pequena (Capela, Borralheiro e Matos, 2009:304). Destes três altares resta apenas um, (pois com os anos o outro altar-mor apodreceu e ainda não foi comprado outro) o de Nossa Senhora do Rosário, sendo esta uma imagem apreciável ainda do século XVII. O altar-mor já não é o mesmo. Através da análise do património móvel da igreja paroquial de Cernadelo (altar colateral, altar-mor e esculturas religiosas), denota-se as diversas alterações que vieram desvirtuar a personalidade deste templo, ou seja, parte das esculturas encontram-se bastante repintadas sem que se consiga perceber o seu devido valor. O altar colateral que formalmente apresenta semelhanças com um altar rococó, encontrava- se desmantelado e segundo fontes orais, terá sido deslocado para a igreja nos finais da década de 80, do século XX. Neste altar (fig. 6) temos presente ao centro, num nicho, Nossa Senhora com o Menino. Lateralmente, a imagem de São José com o Menino e a
imagem de São Joaquim. Ainda nesta mesma máquina retabular estão presentes as imagens do Menino Deus e a imagem com a representação de Santa Ana e a Virgem. Na parede correspondente ao arco cruzeiro (do lado direito) foi aberto um pequeno nicho (devido ao apodrecimento do outro alter-mor), onde estão presentes as imagens de Santo António, São Sebastião, São João, Santa Luzia e Nossa Senhora das Dores. Também estas esculturas estão bastante adulteradas, devido a intervenções realizadas sobre a policromia original. O altar-mor (fig. 7) formalmente, corresponde a uma obra de transição entre o rococó e o neoclássico (finais do século XVIII, princípios do século XIX), isto é, no seu todo denotamos as formas diluídas e concheadas do remate, próprio do estilo rococó, no entanto, o corpo do altar e a base, já são bastantes mais contidos, como podemos verificar pela adopção da coluna clássica e pelo trono eucarístico bastante simplificado. Também segundo fontes orais da freguesia, a imagem de São Tiago, orago da freguesia, e a imagem do Sagrado Coração de Jesus, distribuídas no altar-mor, terão sido repintados recentemente, o que levou a uma perda da sua policromia original, bem como, algum do seu interesse artístico. É de realçar neste conjunto, a imagem de Cristo Crucificado. Da vista da capela-mor para a nave, ainda temos presente o coro-alto (fig. 8) em madeira, que terá sido aumentado na mesma campanha de obras da década de 70, do século XX. Do espólio iconográfico desta igreja é de salientar uma custódia em prata dourada, que atualmente não se encontra no espaço da igreja. Em 1923, esta igreja terá tido mais um conjunto de reformulações, estas encontravam-se testemunhadas numas pinturas sobre as paredes interiores do arco cruzeiro, já eliminadas, mas que ficaram registadas em fotografia. O teor era o seguinte: «REFORMADA ESTA IGREJA EM 1923 sendo o paroco Rev-DO P.e José dos Santos Barroso Cernadelo 21-11-1923» Na parede oposta, correspondente também ao arco cruzeiro, encontrava-se pintado o seguinte testemunho: «TESTEMUNHO DE INFINDA GRATIDÃO a todos os benfeitores desta igreja, especialmente á grande benemérita a Exma Snra D. Francisca dos Santos Bastos da Ilustre – Casa de Figueiredo - desta Freguezia rende o PE J.S.B» Ao longo dos séculos, e por diversas razões, as igrejas paroquiais que marcam a paisagem do concelho de Lousada, foram alvo de inúmeras alterações, a Igreja de São Tiago de Cernadelo não foi exceção. Estas transformações deviam-se muitas vezes à mudança dos cânones litúrgicos, aos quais estes espaços deviam adaptar- se, motivos de índole artística, de conservação e reconstrução, etc. A igreja paroquial de São de Tiago de Cernadelo, no seu conjunto, é caracterizada pelos seus traços vernaculares, marcadamente rural e de cariz regional, é o espelho da freguesia onde se insere, ou seja, um espaço bastante depurado, com fisionomia simplificada mas com detalhes que ainda hoje nos levam a perceber a antiguidade deste edifício.


Fig. 1 - Foto antiga da igreja de Cernadelo, antes das reformas de 1977/78

Fig. 2 - Vista da fachada principal








Fig. 3 - Vista do alçado lateral direito

Fig. 4 - Vista exterior da capela-mor

Fig. 5 - Projecto de remodelação de 1978

Fig. 6 - Altar colateral

Fig. 7 - Vista da nave para o altar-mor

Fig. 8 - Vista da nave para o coro-alto

Fig. 9 - Pedra com o Símbolo da Freguesia



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